Em Julho, o Fundo Baobá lançou o edital
Educação e Identidades Negras: Políticas de Equidade Racial
, uma iniciativa de R$2,5 milhões em parceria com a Imaginable Futures (IF) e a Fundação Lemann. O edital investirá em 10 organizações brasileiras lideradas por pessoas negras que trabalham na área da educação.
O trabalho da IF no Brasil se baseia no reconhecimento de que o racismo é um problema complexo que requer ação coordenada e reflexão constante. Entendemos que este projeto é um compromisso necessário para a afirmação de nossos valores fundamentais: Justiça, Equidade, Diversidade, e Inclusão (JEDI). Ao apoiarmos organizações centrais dos movimentos negros brasileiros, este trabalho integra uma série de iniciativas e experiências de aprendizagem desenvolvidas com outras organizações brasileiras cuja missão é promover a equidade racial na educação, como ocorre com nossos parceiros CEERT, Instituto Geledés e IBEAC.
Em uma conversa com Wagner Prado, jornalista do Fundo Baobá, o diretor executivo da IF no Brasil, Fábio Tran, falou sobre a razão do investimento nessa iniciativa. A versão completa da entrevista conta com a participação de Deloise de Jesus, Gerente de Equidade Racial da Fundação Lemann. O texto na íntegra pode ser lido aqui
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Como esse edital é uma forma de suprir a defasagem que existe no mecanismo de ensino oficial do Brasil?
Fabio Tran (FT): Em todos os estados brasileiros, a diferença entre o percentual de estudantes negros e brancos com níveis adequados de aprendizagem é significativa e se mantém mesmo dentro do mesmo nível socioeconômico (dados do SAEB). Está evidente que a desigualdade racial tem afetado o direito à aprendizagem e, por diversos motivos, o estudante negro tem sido levado a aprender menos. O racismo, enraizado enquanto modelo mental na sociedade, impacta os estudantes negros e suas famílias e os submetem ao preconceito cotidianamente. Esses e outros fatores, que são reflexo do racismo estrutural, afetam diretamente a autoestima e o senso de pertencimento de estudantes negros, impactando na sua performance acadêmica.
Entendemos que se trata de um fenômeno complexo e, para entender e agir com maior profundidade sobre ele, em 2021, a Imaginable Futures realizou um processo de escuta e construção junto a mais de 50 educadores e ativistas negros. Ao final, chegamos em três principais áreas que podem ser alavancadas na busca por uma realidade livre do racismo estrutural, sendo uma delas a razão por que estamos fazendo este edital: garantir a implementação de políticas educacionais que valorizam as identidades e culturas negras, indígenas e quilombolas, aumentando a legitimidade destes grupos dentro do sistema educacional, bem como o seu desempenho e permanência escolar.
As duas outras áreas são: (i) elevar o nível de entendimento sobre questões étnico raciais a fim de alcançarmos uma negritude consciente e uma branquitude crítica, fazendo com que as políticas e as práticas não sejam desenhadas de maneira universalista e (ii) elevar as vozes negras, indígenas e quilombolas através de acesso e representação em posições de liderança, assegurando que essas lideranças possuam conhecimento aprofundado sobre equidade racial e recebam todo o suporte necessário para que consigam permanecer com saúde mental e física dentro desses ambientes.
Que iniciativas educacionais podem contribuir para o combate ao racismo?
FT: Para além do trabalho relevante e direto de combate ao racismo realizado por diversas organizações como o Fundo Baobá, CEERT, Geledés, IBEAC, dentre tantas outras, é preciso considerar também a influência das políticas públicas governamentais na manutenção ou quebra de estruturas racistas. As políticas públicas educacionais hoje são predominantemente universalistas, desconsiderando o contexto extremamente desigual de que partem estudantes brancos e negros. Sendo assim, uma das formas de combater o racismo estrutural é assegurar, na tomada de decisão das políticas educacionais, o reconhecimento dessas diferenças e desigualdades e o entendimento que equidade não significa necessariamente igualdade. A Lei de Cotas e a Lei 10639 são excelentes exemplos de como romper essas estruturas. E esperamos que as iniciativas apoiadas por esse edital permitam identificar novas formas de combater o racismo e o racismo estrutural.
Como sua organização, interna e externamente, vem abordando o racismo? Há ações direcionadas aos colaboradores e diferentes comunidades nas quais vocês atuam?
Fabio Tran – Como uma organização de investimento social privado, entendemos nossa responsabilidade, dado nossa posição de privilégio em um sistema fundamentado sobre a supremacia de pessoas brancas e sobre outras formas de injustiça.
A equidade racial está no centro da estratégia programática da Imaginable Futures. Temos trabalhado para isso diretamente com organizações comunitárias, através das práticas de educação libertadora das organizações que apoiamos e por meio de recomendações de políticas de apoio para práticas de reparação antirracista, entre outras iniciativas. Além disso, entendemos que o combate ao racismo passa também por uma transformação interna e de como trabalhamos, por isso desde 2019 temos aumentado o letramento racial da equipe e a equidade racial na sua composição, incluindo nossos prestadores de serviço e consultores. A partir de um esforço de diversificar o nosso time, hoje somos uma organização internacional e a maioria dos nossos colaboradores não se identifica como branca. Por fim, como indivíduos, trabalhamos para mudar nossas próprias mentalidades, comportamentos e abordagens. E apesar de todos os nossos esforços, entendemos que, como organização, estamos apenas no começo da nossa jornada antirracista. Temos muito que avançar ainda.
Em termos de política pública, a implementação do edital poderá gerar alguma base de trabalho que possa ser adotada oficialmente (pelo Governo) e melhorar a política educacional no país?
FT: O tema do desenvolvimento das identidades e culturas negras e quilombolas é trabalhado por organizações negras há muito tempo no Brasil. Esse edital vem como um reconhecimento da luta histórica desses grupos pelos seus direitos. Temos a expectativa que, a partir desses projetos, possamos sistematizar melhor e dar mais luz ao trabalho dessas organizações para que elas possam seguir cada vez mais pautando a construção de políticas públicas de equidade, dentro e fora do ambiente de educação formal.
O tema do desenvolvimento das identidades e culturas negras e quilombolas é trabalhado por organizações negras há muito tempo no Brasil. Esse edital vem como um reconhecimento da luta histórica desses grupos pelos seus direitos.